Itarantim, uma cidade à beira da morte e cheia de fantasmas. Até quando?

“As mãos que ajudam são mais sagradas que os lábios que rezam.”

Madre Teresa de Calcutá.

Como nos tornamos cegos diante de nós mesmos a ponto de apedrejarmos as pessoas mesmo tendo Jesus diante delas? Passamos por cima de séculos de conquistas e avanços culturais, civilizatórios, políticos e religiosos, porque algumas pessoas assim propagam que temos que agir, em alguma emissora de televisão, ou assim nos dizem em alguma rádio?

O que, verdadeiramente aprendemos com a leitura da bíblia? Será que verdadeiramente nós a lemos ou também terceirizamos mais este aspecto de nossas vidas, deixando a interpretação a cargo do pastor ou do padre? Acaso não temos discernimento próprio quando o assunto se refere a religião, que não possamos identificar por onde seguir, a não ser que seja pela palavra de outrem?

Em uma infinidade de municípios de nosso imenso Brasil, cidades como Itarantim, onde vivo atualmente, estão, agora mesmo, à beira do abismo, próximas do colapso, e as pessoas que nela vivem, perambulam como zumbis de um lado a outro, enriquecendo uma elite putrefata e envenenando a própria alma com o veneno da intolerância, acreditando que, se assim o fizer, sem questionamentos, será aceita nos banquetes dos senhores da Casa Grande.

Aqui, onde vivo, estou a procurar um, e apenas um, empresário honesto, e confesso de que não tenho notícias de que este tipo raro ainda exista nestas plagas.

Quando me refiro à honestidade de empresários estou a falar que, mais que registrar seus funcionários em carteira e pagar o salário base de sua categoria, coisa que é rara nos interiores do Brasil, estou, também, procurando pessoas que não soneguem em suas empresas.

Por aqui, é mais que comum, é regra, não se emitir nota fiscal ou cupom fiscal. Onde quer que você compre, irá sair do estabelecimento sem os referidos comprovantes fiscais de compra. Como pode o poder público brasileiro permitir uma coisa destas? Por que não há qualquer sinal de uma fiscalização surpresa em uma determinada empresa local, fazendo, com isto, que esta imensa e grotesca sonegação diminua pelo medo de serem pegos em irregularidades?

Lamentavelmente, os cidadãos brasileiros que hoje se levantam contra o Governo Federal, parecem ignorar que, a não emissão dos bilhetes fiscais, faz com que a arrecadação do município, através de repasses do Governo Federal pelo Fundo de Participação dos Municípios, seja menor, e, com isto, os recursos destinados às escolas e aos hospitais, bem como aos cuidados básicos, como vias públicas, praças e áreas de lazer, fiquem prejudicados com a diminuição das verbas arrecadadas pela prefeitura.

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Como se não bastasse isto, o descaso da maioria das prefeituras, como acontece na cidade que vivo, Itarantim, para com o povo mais pobre e com menos condições, é total. Os espaços públicos são “privatizados”, praças públicas tem seus espaços tomados por empreendimentos, retirando da população até o mais elementar lazer, ruas e calçadas são “apropriadas” por pessoas que se entendem no direito de colocar materiais de construção onde, antes, cidadãos tinham direito de andarem em segurança a salvo dos automóveis nas ruas. Se a prefeitura se nega a fiscalizar e a coordenar a utilização dos espaços públicos, para que serve então?

Quando existe um hospital, este funciona de forma absolutamente precária, possuindo equipamentos obsoletos, defeituosos e que colocam em risco a população com o simples uso dos mesmos. Estes ambientes, que deveriam prezar pela higiene e asseio se encontram em condições tão precárias que o seu fechamento até seria recomendável, não fossem deixar esta população sem atendimento algum e submetendo a condições ainda piores, tendo que se deslocar para atendimento em lugares em iguais condições, em distâncias maiores e sem garantias de atendimento.

As condições de manuseio de alimentos são acintosas, degradantes. Animais abatidos em lugares sem higiene alguma e transportados em carroças sem qualquer proteção e a céu aberto onde moscas e poeira pousam tranquilamente deixando um rastro de contaminação mortal. Vigilância Sanitária? Onde?

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Junte-se a isto, os lixões criminosos, onde todo tipo de dejetos são amontoados ao ar livre, sem nenhuma separação e a forma de evitar maiores problemas é a queima de todos os tipos de resíduos indiscriminadamente, liberando uma fumaça altamente tóxica e cancerígena, temos um quadro de calamidade geral. Será que não aprendemos ainda que o correto tratamento dado aos dejetos produzidos diariamente, não só diminui a possibilidade de doenças mas permite a economia e geração de riquezas através da reciclagem dos componentes presente nos descartes das residências e empresas?

Rios recebem lixos despejados inadvertidamente pela população e “morrem” não apresentando sinais de vida neles. Um destes rios, na cidade de Itarantim, parece escoar petróleo de tão preta que suas águas se transformaram. Não fosse o odor fétido que emana de suas águas mortas, poderíamos ver pessoas com baldes a retirar o “líquido negro” de seu leito acreditando ser o “ouro negro” tão cobiçado e que gera tantas guerras.

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Como pode a civilização passar ao largo de tantos lugares aqui e alhures em nosso país? Por que aceitamos as coisas mais absurdas sem levantar a nossa voz contra este gigantesco mar de iniquidades? O que nos faz sermos tão cordatos com coisas tão flagrantemente abjetas e prejudiciais a todos nós e tão intolerantes a coisas, muitas vezes, insignificantes ou que nem nos dizem respeito direto, como a escolha da opção sexual dos demais cidadãos?

Igrejas são erguidas em nome de Deus pregando, contraditoriamente, a intolerância e a condenação das atitudes de outras pessoas, enquanto os responsáveis pelas mesmas, ao invés de investir o que se arrecada nelas, nas pessoas, na solidariedade humana, levando alimentos a quem tem fome ou roupas a quem nada tem, compram fazendas e imóveis e montam impérios, rindo da boa vontade e da fé das pessoas e se regozijam com a isenção tributária dispensada pelo fisco brasileiro para as religiões. Em nome de que esta isenção, pergunta-se, e até quando?

A hipocrisia reina absoluta! Os que encontram-se errados até a medula, parecem acreditar em sua santidade diante da inércia das autoridades que deviam estar a proteger os cidadão dos abusos de toda a ordem a que estão submetidos.

Em nossa Constituição diz-se que todos são iguais perante a lei, mas, no entanto, quando nos referimos a cidadãos de cidades interioranas, com populações menores que 50.000 indivíduos, esta parte de nossas leis são apenas letras mortas, como os rios fétidos e os lixões a céu aberto. Acima delas pairam apenas o preto dos urubus, os juízes de capas pretas existem apenas no país de faz de contas, que se vê nas transmissões televisivas. Justiça nenhuma, saúde nenhuma, lazer nenhum, educação zero.

Até quando iremos permitir e aceitar uma aberração destas assim, pacificamente e resignadamente? Até quando iremos continuar sem nos mover contra tudo isto?

Cada um de nós tem o poder de mudar o mundo, se assim o quisermos, a começar a mudar a nós mesmos a não permanecermos calados diante de situações de injustiças. A corrupção toma seu lugar quando vemos situações erradas e nos calamos. As arbitrariedades fazem festa em nosso lombo, quando fingimos que não vemos.

O que nos impede de solicitar a escala de plantão dos médicos e servidores dos hospitais que deveriam funcionar para o bem de todos em cada município brasileiro? O que nos impede de exigir que estas escalas sejam expostas em locais visíveis com os nomes dos funcionários e horários de cada um, com dias e horas respectivas?

O que nos impede de sabermos quais os nomes, funções, horários e locais de trabalho de cada servidor concursado e/ou contratado pelos municípios? O que nos impede de fixar a remuneração de vereadores tão pouco produtivos, para os cidadãos de nossas cidades?

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Como não exigir, numa cidade como Itarantim, por exemplo, que sejam apurados os comentários à boca miúda, a respeito de funcionários fantasmas que existiriam na prefeitura? Como não pressionar os vereadores para que se apure e se divulgue a lista dos trabalhadores do município?

Não nos parece plausível que absurdos desta ordem continuem a proliferar, onde quer que sejam encontrados. Onde estão os vereadores da cidade e que atitude irão tomar diante da questão dos funcionários fantasmas? Os cidadãos irão pressionar seus vereadores a tomarem alguma medida de fiscalização e apuração do problema?

Talvez a questão a saber é: até onde estamos dispostos a nos indignar contra os abusos cometidos contra nós mesmos e a defender-nos e aos nossos semelhantes, vizinhos, amigos e parentes destas mesmas arbitrariedades?

Uma cidade onde sua população não pode exercer a possibilidade de participar nas decisões exaradas de sua prefeitura é, desde já, uma cidade condenada a se transformar num presídio, onde as pessoas que são postas no comando apenas exercem o poder de quadrilhas, mesmo que estas se sucedam no poder.

É um lugar onde a humanidade está condenada a extinção, mesmo que prospere e cresça em seu espaço físico, mas, em seu povo, a chama da vida se apagará um pouco mais a cada dia e a centelha divina, mesmo com a proliferação de templos religiosos, se esvairá cada vez mais, com o suceder das noites, até que se extinga de vez.

Cada um de nós tem um poder imenso dentro de si e este poder pode ser resumido em um sinal apenas, “?”, o de interrogação. Questionar as coisas que vemos e querer saber como e porque funcionam de determinada maneira e saber se poderiam ser de uma outra forma, é, em si mesmo, o começo de toda e qualquer revolução.

Comecemos então a questionar.

Por quê?

Fábio Brito – Bahia.

3 comentários em “Itarantim, uma cidade à beira da morte e cheia de fantasmas. Até quando?”

    1. Pois é Paulo, e ficamos sem compreender como que o Estado, o Governo e as instituições que deveriam defender nosso povo das injustiças, esquecem que o interior do Brasil, tanto quanto esquecem das favelas. Precisamos de mais presença dos órgãos públicos, que precisam se interiorizar para levar a civilização a todos os rincões do nosso grandioso país. Abraço. Vigilância Sanitária, Corpo de Bombeiros, SUS, Tribunais do Trabalho, fiscalizações várias, Receita Federal. A população brasileira, em verdade, não tem quem a defenda, e ainda aparecem pessoas a defender “menos estado” mas, no entanto, precisamos de mais. Abraço.

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      1. Por mais que as verbas federais para os Estados e Municípios tenham diminuído por conta da crise causada pelos USA e que levou de roldão o resto do mundo, não são tão ínfimas que justifiquem tal situação de descalabro. Sabemos bem que os ralos são os governos estaduais e municipais, em sua maioria. O Município pediu sua inclusão no Mais Médicos? O GF está a par do que acontece? Denuncie nos sites do Governo Federal como eu tenho feito em muitas ocasiões e sempre responderam e em várias ocasiões agiram a contento. Ou você acha que eles têm tempo para acompanhar pela Internet o que se passa em cerca de 5.500 cidades do país?

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